segunda-feira, 26 de março de 2007

Só de sacanagem

Apesar de não ter nem a metade da idade dos grandes nomes que me inspiram a escrever artigos opinativos e, neste caso, editoriais, utilizo uma maneira convencional para organizar as idéias: escrevo o primeiro rascunho a mão, com data e local no topo, como faz Ariano Suassuna ou faziam os falecidos Leonel Brizola e Assis Chateaubriand, o Chatô.

Por motivos tão subjetivos quanto inexplicáveis, guardo em um cesto artesanal os rascunhos dos editoriais e artigos com devidas marcações do que foi utilizado e o que foi descartado.

Pois bem, de tempos em tempos o receptáculo artesanal precisa ser esvaziado. Com um saudosismo anacrônico à minha geração, rapidamente passo os olhos sobre os manuscritos antes de lhes dar o derradeiro fim. Para meu infeliz espanto, quase todas as anotações são sobre golpes, traições nacionais e sociais, escândalos de desvios, tráfico de influência, favorecimentos, atitudes criminais e imorais que o povo vem, dia após dia, aceitando placidamente como se fosse o cotidiano nacional. Normal como comentar o clássico do futebol de domingo ou o último capítulo da novela.

Apesar de analisar insustentáveis absurdos, no final sempre escrevi uma idéia de fé, força ou uma cutucada para [que pelo menos eu tivesse a esperança de] fomentar o questionamento, a dúvida do leitor. Depois do relato de um feito escatológico, de quem prefere revelar sua essência malévola a defender os oprimidos, sempre vinha uma tentativa de demonstrar a luz no fim do túnel.

O primeiro impulso foi de rasgar e queimar tudo para que não usem contra mim em uma ação de interdição. O medo de ser levado em uma camisa-de-força, arrastado pelos corredores, calçadas e ruas chegou a me dar taquicardia. Imaginei a ironia da cena: olhares piedosos de todos em direção aqueles que eu queria tirar do escuro da caverna. Só ia faltar eu gritar “por que vocês não tomaram a pílula vermelha que Morpheus deu?” numa alusão a Matrix, que ninguém iria entender porque tomaram a pílula azul.

Depois mudei de idéia. Nasci subversivo. Sou tão do contra que quando nasci saíram primeiro os pés. Vou ser mais otimista ainda, vou aumentar o tom do discurso e o perímetro das idéias. Vou ter mais fé na humanidade, na evolução do povo. Só de sacanagem eu vou ser mais otimista. Só de sacanagem vou ser mais idealista. E tantos outros quantos eu puder convencer.

Vou ser tão otimista quanto Tom Zé disse que é honesto. Se esse é o meu destino, eu aceito de bom grado o peso que imputam À minha caneta. Serei partidário de Paulo Leminski: “Não discuto com o destino, o que pintar eu assino!”.

Um abraço,
Eduardo Morello

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